LIVROS ONLINE- TRECHO DE “À SOMBRA DO IMBONDEIRO” DE ANTONIO MARCELO
GUERRA EM ANGOLA. UMA DAS FAZENDAS DE CAFÉ É ATACADA. O QUE FAZER? Um dia, no escritório da fábrica de papel, recebo um telefonema da sede, que captava rotineiramente os rádios das fazendas: − Acabamos de receber um rádio dizendo que a fazenda Lunza está dominada pelos terroristas. O gerente não sabe o que fazer. Eles e os demais trabalhadores estão ameaçados de morte e desarmados. Falei com o meu sócio e decidimos pedir ajuda ao Comando Militar da região, que ficava a cerca de 40 quilômetros da fazenda atacada. Solicitei uma reunião urgente com o General em chefe da região aquartelada no Uije. Mandei ligar para o aeroporto e preparar com urgência um bimotor, embora a lembrança do acidente aéreo anterior me fizesse medroso de voar. Antes do meio-dia estava a caminho do Uije. Dirigi-me ao quartel-general. O general me esperava. Relatei o que estava acontecendo, pedindo-lhe ajuda no sentido de ordenar o envio de tropas para a fazenda. Sua resposta foi inesperada: − Vocês pensam que temos um militar para cada civil? Não há condições nenhuma de satisfazer seu pedido. − Mas Senhor General, são quinhentos homens completamente desprotegidos na fazenda e à mercê de um bando de terroristas. Tentei argumentar, insistir, implorar, mas a resposta era firme e definitiva. Não mandaria militares para lá. Eram 5 horas de uma tarde sob ameaça de forte tempestade. Relâmpagos estalavam seguidos de trovões soando em tom lúgubre. O piloto avisou: − Senhor Engenheiro, o avião não está equipado para navegação noturna. Ou saímos já com riscos de enfrentarmos a tempestade ou teremos que dormir aqui. A situação era muito grave. Teria que tomar medidas urgentes em Luanda. Não vacilei: − Vamos tentar chegar a Luanda antes do pôr do sol. Após a decolagem do avião, o piloto não conseguiu desviar de uma forte formação de nuvens cúmulos-nimbos. A pequena aeronave parecia um brinquedo que descia e subia bruscamente dentro delas, uma turbulência apavorante. O piloto havia perdido totalmente o controle e eu só pensava: “Será que vou cair de novo? Logo agora que tenho tantos assuntos graves para resolver”. Depois de dois minutos de apavorante incerteza, saímos do perigo maior e o avião conseguiu elevar-se fora da zona de perigo. Eu estava pálido. O piloto também. Olhamos um para o outro e, sem trocarmos uma palavra, sorrimos. Estávamos salvos! Em Luanda, relatei a meu sócio o fracasso das negociações. Ele me informou que os terroristas haviam apresentado uma longa lista de produtos de que precisavam e que se os atendêssemos, libertariam nosso pessoal. Pedi que alguém viesse a Quiculundo com a lista, que eu estava indo para lá de carro no dia seguinte. Cheguei a Quiculundo. Fora o gerente da Lunza só o gerente geral das fazendas conhecia a tal lista de exigências. Temíamos que se atendêssemos os guerrilheiros e doássemos o que queriam, a PIDE nos incriminasse. Os militares concluiriam que éramos traidores e estaríamos sujeitos às penalidades de crime de guerra. Pedi ao gerente da loja e ao gerente geral das fazendas que permanecessem com um ajudante após o final do expediente. Já conhecia a longa lista de pedidos dos terroristas. Dirigi-me ao gerente da loja, que recebia percentagem nos lucros no final do ano: − Coloquem dentro dos sacos de café vazios: 30 camisas... 30 calças... 30 pares de chinelos... 10 rádios de pilha... 30 catanas... E por aí afora... A relação continha também alimentos, além de armas e munições. Fui mandando colocar o material nos sacos, reduzindo as quantidades de alguns itens. Lógico que as armas e munições não foram colocadas. O gerente da loja anotava tudo que era “desviado” do estoque. − Senhor engenheiro, a quem debito tudo isto? − A ninguém. Notei o desânimo do empregado porque sua participação nos lucros seria reduzida daqueles valores. Já era tarde da noite. Exigi segredo e mandei carregar a carrinha que aguardava. Só bem mais tarde o gerente da loja entendeu o que estava se passando. No princípio da madrugada, o gerente geral das fazendas, um fiel empregado com espírito aventureiro, partiu a caminho da fazenda Lunza. Meus homens foram libertados. A partir desse dia, os terroristas recebiam regularmente mantimentos em troco da garantia de não atacarem nossas fazendas e os nossos carros, jipes, carrinhas e caminhões. Passei a visitar as fazendas sem qualquer arma, apenas eu e o gerente geral num jipe aberto, para que nos vissem ANTÓNIO MARCELO
Enviado por ANTÓNIO MARCELO em 12/02/2011
Alterado em 04/08/2011 Copyright © 2011. Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor. |