DERRUBEI O “32”
Trechos do livro À SOMBRA DO IMBONDEIRO DERRUBEI O “32” E PASSARAM A ME RESPEITAR Meus pais regressaram a Lisboa para me deixar no colégio interno e iniciar, com minhas irmãs, um belo passeio pela Europa. É curioso como os portugueses sempre se referem aos restantes países como Europa, como se eles não estivessem inseridos nela. Nunca entendi por quê. Deparei-me com a dura realidade: perdia os meninos africanos com quem brincava, apartava-me da terra cariciosa onde me sujava, distanciava-me das amigas e namoradas e não tinha mais as quitandeiras para roubar. Parecia ter terminado o ciclo das brincadeiras. Os alunos eram conhecidos pelo número de matrícula. Eu, de Tói passei a ser o “60”. O “61” era o meu maior amigo. O “32”, o mais gordo e mais forte. Na nossa turma éramos apenas nove. Eu sentia-me mais que infeliz, um prisioneiro fora da cela, consciente das altas muralhas e guardiães que tolhiam a liberdade. Não portavam armas, mas utilizavam papel e caneta para participar às autoridades superiores as mínimas falhas que os prisioneiros cometessem. Não tinha nenhuma vontade de participar das brincadeiras de meus colegas de colégio, tão diferentes daquelas a que me havia habituado. Um dia, os colegas resolveram realizar um torneio de luta para saber qual era o mais forte. Eu não quis participar devido à minha melancolia que se tornara crônica e também porque aquilo me parecia brincadeira de criança. Lutaram entre eles e o “32” ficou na liderança. Por ter recusado a contenda, começaram a chamar-me de covarde. Mal sabiam eles do meu “terrível” passado. Resolvi aceitar. Derrubei o “32” e passaram a me respeitar. E durante os cinco anos que lá permaneci, nunca mais lutei. Ou porque não gostava de violência física ou porque minha fama de “valentão” se espalhou e vigorou por todo esse tempo. ANTÓNIO MARCELO
Enviado por ANTÓNIO MARCELO em 22/01/2014
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